3a Conferência Indígena da Ayahuasca
Nós, representantes de Povos Indígenas do Vale do Juruá – Apolima-Arara, Ashaninka, HuniKuin, Jaminawa, Jaminawa-Arara, Kuntanawa, Nukini, Puyanawa, Shanenawa, Yawanawá eShawãdawa, Noke Koi, reunidos na 3a Conferência Indígena da Ayahuasca, realizada de 10 a13 de outubro de 2019, no Instituto Yorenka Tasorentsi, no Município de MarechalThaumaturgo, Acre, Brasil, sob a coordenação do Instituto Yorenka Tasorentsi e daOrganização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ), com a participação das demaisorganizações e participantes presentes, após intensos debates, por meio desta:
*Consideramos as cartas das duas primeiras Conferências Indígenas da Ayahuasca comodocumentos orientadores para o uso das medicinas indígenas de forma sábia e responsávelnas comunidades indígenas.
*Assumimos o desafio de manter a Ayahuasca com seus valores tradicionais, refletindo sobreos potenciais, os riscos e os limites do repasse de conhecimentos para não-indígenas.
*Ressaltamos a responsabilidade das lideranças espirituais sobre o controle do uso correto dasmedicinas indígenas dentro de suas comunidades e na orientação de representantes do seupovo fora das aldeias. Consideramos a necessidade de formação dessas lideranças paraarticulação política em diversas instâncias.
*Reafirmamos a importância da manutenção dos conhecimentos indígenas (música, histórias,medicinas, entre outros), salientando que as canções e outros elementos dos rituais são opróprio conhecimento tradicional e não podem ser dissociados do modo de vida dos povosindígenas.
*Orientamos que o conhecimento profundo das práticas tradicionais, através do convívio comos mais velhos e sábios, é fundamental para que a juventude possa refletir sobre os limites decompartilhamento de conhecimentos, inserção de instrumentos musicais e outros tipos demudanças nos rituais.
*Sugerimos a produção de documentários com as lideranças espirituais de cada povo pararegistro das práticas e conhecimentos tradicionais, com fins de circulação interna.
*Buscaremos regulamentar o uso das medicinas tradicionais indígenas em um acordo internode cada povo indígena, com legitimidade para estabelecer as próprias regras einstitucionalizá-las, como por exemplo a Carta de Princípios do Instituto Yorenka Tasorentsi.
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*Afirmamos que não é possível dissociar a proteção do território dos conhecimentostradicionais, da espiritualidade e das plantas sagradas. A proteção da floresta e de suaconservação é central para a manutenção da cultura dos povos indígenas, assim como oaprofundamento na prática da cultura é também um caminho para proteção ambiental.
*Ressaltamos a importância do trabalho de regeneração da mata, reflorestamento, manejoecológico de animais e de áreas de cultivo de plantas sagradas, destacando o papel dos povosindígenas na conservação da natureza.
*Entendemos que os aspectos culturais, artísticos, educação, saúde e gestão territorial sãointegrados com a espiritualidade. Portanto, consideramos que o Plano de Gestão Territorial eAmbiental (PGTA) de cada Terra Indígena deve ser atualizado, incluindo as questõesdiscutidas nas Conferências Indígenas da Ayahuasca, com o respaldo da Política Nacional deGestão Territorial e Ambiental.
*Destacamos nossa preocupação com a ação ilegal de madeireiros, caçadores, pescadores,traficantes, fazendeiros, mineradores, com o impacto dos projetos de infraestrutura e com apostura política do atual poder executivo e legislativo.
*Apoiamos o fortalecimento das instituições e órgãos ambientais que trabalham com a proteçãodas terras indígenas e defendemos a legislação ambiental e o trabalho de conscientização dasociedade, além da conservação do nosso próprio território.
*Trabalharemos pela soberania alimentar e conservação das sementes tradicionais dos povosindígenas.
*Solicitamos que a aplicação das leis ambientais valorize a sabedoria e o conhecimento práticoindígena no manejo dos recursos naturais, com apoio dos órgãos de licenciamento,fiscalização e controle.
*Consideramos a 3a Conferência Indígena da Ayahuasca como um processo de preparação paranos relacionarmos com aqueles que não conhecem ou que procuram a ayahuasca e demaismedicinas tradicionais indígenas com interesses divergentes dos nossos. Chamamos atençãopara os diversos níveis das parcerias necessárias para isso, além da importância de investirem ações de formação/conscientização de autoridades, tendo como exemplo o curso deformação de magistrados realizado junto ao povo Ashaninka, em Cruzeiro do Sul-AC eAldeia Apiwtxa, na Terra Indígena Kampa do Rio Amônia.
*Reafirmamos a necessidade de criação de uma instância que reúna lideranças espirituaisindígenas para intercâmbio entre os povos indígenas e interlocução com poder público,judiciário, entre outros, para a proteção das medicinas tradicionais indígenas, através da qualos indígenas possam se pronunciar sem intermediários não-indígenas, de forma autônoma.
*Consideramos que a atuação da instância citada no item anterior diz respeito aoreconhecimento dos direitos e responsabilidades indígenas, propondo restrições ao comérciodas medicinas tradicionais indígenas, denunciando mau uso, charlatanismo e o registro depatentes, além de indicar parâmetros com base na valorização do modo de viver tradicionalarticulado à legislação, e não o contrário, legitimando os usos tradicionais. Essa instância
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poderá propor um documento orientador que contemple o contexto geral de uso saudável eadequado das medicinas tradicionais indígenas, considerando todos os povos participantes.
*Reafirmamos a necessidade de ferramentas para nos dar proteção e segurança, prezando pelanecessidade de consulta e autorização prévia das comunidades, considerando a espiritualidadede forma ampla, incluindo gravação de canções, uso de grafismo, entre outros.
*Sugerimos a análise de documentos como a Carta de Princípios das Entidades ReligiosasUsuárias da Ayahuasca (1991) e a Resolução 01/2010 do CONAD como referência para aprodução de uma possível regulamentação própria que sirva de base para a tratativa com osgovernos e criação de isenções para permitir a circulação das medicinas tradicionaisindígenas.
*Consideramos que há um interesse em compartilhar adornos, pinturas, canções e outroselementos da cultura, mas vemos a apropriação cultural de forma negativa e desrespeitosa edestacamos que essa discussão precisa ser aprofundada nas comunidades.
*Demandamos a difusão de informações sobre o reconhecimento dos saberes tradicionais tantoem relação aos direitos autorais das artes e patrimônio cultural dos povos indígenas, quantona repartição dos benefícios gerados pelos conhecimentos tradicionais associados aopatrimônio genético e à biodiversidade, com apoio das instituições e órgãos responsáveis taiscomo IBAMA, FUNAI, ONU, entre outros, considerando as legislações relacionadas a estasquestões.
*Alertamos que o momento atual requer cuidado em como abordar os assuntos e fazer aliançasna inserção dos povos na sociedade não-indígena. Prezamos pelos princípios de respeito,responsabilidade e sabedoria.
*Consideramos que o aporte de recursos nas terras indígenas pode dar-se através de projetos,realização de festivais e outros serviços, sem a comercialização da Ayahuasca e outrasmedicinas tradicionais indígenas. E propomos uma reflexão sobre possíveis parcerias quevisam apenas o lado comercial, sem considerar o sagrado.
*Reafirmamos a importância dos espaços de rituais e dos intercâmbios entre povos indígenas.
*Prosseguiremos com a aproximação com o Povo Tobu, Povo Shipibo-Conibo e Povo Tukano,entre outros, para intercâmbio e fortalecimento dos povos indígenas tanto da serra como dafloresta.
*Pedimos aos governos, à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização Mundialda Saúde (OMS) para inserir em suas pautas o pluralismo médico nos sistemas nacionais desaúde de cada país, para que a medicina tradicional indígena possa ser trabalhada em conjuntocom a medicina ocidental.
*Incentivamos todas as agências relevantes da ONU, como o Alto Comissariado para osDireitos Humanos, a OMS, o ECOSOC e a UNESCO, a adotar uma abordagem integrativa ecolaborativa para o reconhecimento das práticas medicinais tradicionais dos povos indígenasda Amazônia.
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*Recomendamos que as agências colocadas no item anterior promovam e incentivem oreconhecimento dos direitos dos povos indígenas às suas medicinas tradicionais, incluindo odireito a desenvolver, praticar e ensinar as práticas relacionadas a elas como estabelecido nosartigos 12, 24 e 31 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
*Manifestamos nosso apoio ao Cacique Raoni em todas as suas lutas em prol da floresta e dospovos indígenas, reconhecendo-o como uma liderança indígena mundial.
OBSERVAÇÃO: O termo Ayahuasca não substitui as denominações desta medicina em cadapovo, tais como Uni, Huni, Kamarãpi, Heu, Tsĩbu, entre outras. No entanto, foi acordado queserá utilizado este termo de forma genérica compreendendo todas as nomenclaturas.
Yorenka Tarosentsi, Marchal Thaumaturgo – AC, Brasil, outubro de 2019.
